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domingo, 20 de novembro de 2011

SOCIEDADE CONSUMISTA E O DESAFIO DE AFIRMAÇÃO DA NATUREZA HUMANA

Introdução

Falar da realidade consumista do mundo atual é um dos assuntos desafiantes na medida em que o ser humano é visto no contexto produtivo e não no seu contexto existencial; talvez a definição do ser humano como ser racional seja uma das razões que faz com que o mundo atual olhe a dignidade da pessoa humana não na base da natureza do seu ser, mas sim no contexto da sua capacidade de produção material.

A nossa finalidade, dentro deste trabalho, é mostrar que o ser da natureza da pessoa humana está no além do poder racional, ele é mais do que qualquer coisa que a imaginação humana possa destacar em relação à realidade do ser da pessoa humana e a sua respectiva existência. Com esta visão queremos priorizar a convicção de que não é digno reduzir o valor ou a dignidade[2] da pessoa humana em favor do espírito consumista. Este trabalho não oferece as soluções autênticas para erradicação deste desafio, mas oferece reflexões que possam quebrar o espírito que prioriza a crença consumista que prevalece dentro das nossas sociedades. Então, é a partir de tais reflexões que nós encontraremos as iniciativas que possam revitalizar as nossas forças no processo de busca de afirmação da dignidade da pessoa humana perante os desafios do consumo.

Em geral este trabalho tem como objetivo despertar a consciência de cada pessoa humana, para compreender como é que o espírito consumista se manifesta como o risco da vida humana, e como buscar as iniciativas ao nível individual e coletivo para a superação dos tais riscos do poder consumista.

A complexidade da realidade humana traz grandes dificuldades de sua compreensão, na medida em que procuramos definir de uma forma objetiva, as definições na maioria dos casos limitam-se a uma perspectiva da realidade humana. Devido a isso a pessoa humana é definida em diferentes perspectivas, e tais definições sempre se limitam às ações que a pessoa realiza no curso da sua vida, esquecendo-se de reconhecer que a pessoa humana é mais do que as suas ações, identidade, e a sua capacidade racional. O ser humano não nasce com poder racional, mas sim com as possibilidades que na base de certas condições ele favorecido para o desenvolvimento da capacidade racional.

Severino Boécio define a pessoa como “Naturæ rationalis individua substantia.” [3] (a pessoa é uma substância individual de natureza racional). É digno reconhecer que a razão é um dos elementos característico da identidade humana, mas o importante é que nós devemos ter consciência de que não é a capacidade racional que garante a dignidade de qualquer indivíduo, mas sim a natureza humana que a pessoa leva na sua virtude[4]. Bem sabemos que, nem todos os seres humanos têm a capacidade racional ou mesmo de exercer qualquer trabalho, mas com estas limitações, eles não são isentos das suas dignidades, assim como o exercício dos seus respectivos direitos. Contudo, podemos também definir a pessoa humana como ser que busca se tornar a ser mais do que aquilo que ele é; esse caráter é notável em todas as dimensões da realidade da pessoa humana.

Partindo de uma observação da realidade de uma criança, notamos que existe uma força natural que é inevitável que a orienta para o crescimento, e também existe o desejo baseado nas tendências humanas de querer se tornar mais do que aquilo que se é ou ter mais do que aquilo que se tem. Isto constitui uma das características que faz com que a pessoa humana seja mais seduzida pelo consumo ao nível de priorizar as coisas materiais do que a sua própria dignidade humana.

É real afirmar que todos nós diretamente ou indiretamente somos iluminados pela luz do consumismo que se manifesta na base do desenvolvimento tecnológico acelerado. Nós necessitamos de consumir algo para o sustento da nossa vida, mas isso não significa que a necessidade do consumo seja primazia diante da afirmação do ser da pessoa humana. Atualmente com o prevalecer do espírito consumista dentro das nossas sociedades, a vida humana é vista como algo que tem por objetivo ou finalidade o alcance da felicidade.[5] Por meio desta visão torna-se fácil compreender que um dos grandes desafios do mundo atual é a ignorância que, na maioria dos casos, se manifesta na falta de distinção entre o relativo e o absoluto, em outras palavras entre o que deve ser priorizado e o que não deve ser priorizado dentro da realidade humana. E essa dificuldade afeta todas as áreas, seja política, econômica, intelectual, religiosa, social e assim para diante. Por exemplo, atualmente existe uma força dentro das sociedades voltada para globalização muito mais ao nível econômico, mas raramente buscamos compreender as desigualdades que ela gera quando se manifesta de forma livre e descontrolada dentro dos mercados que crescem num ritmo acelerado e constituindo assim incubadores naturais de descontentamentos e instabilidades do povo ao nível social.[6]

É por meio desta desigualdade que as pessoas voluntariamente renunciam às suas dignidades, permitindo-se assim, a serem exploradas nas instituições, maltratadas e usadas como máquinas de trabalho, recebendo em troca o pouco para a garantia da sobrevivência. Aconteceu algo relacionado a isso em Moçambique na cidade turística de Pemba no ano 2004; um turista pagou um valor 3000 meticais, para uma menina fazer sexo com dele Cachorro, o valor recebido foi terminar no hospital devido às dificuldades que a menina enfrentou depois de se relacionar sexualmente com Cachorro do turista. Neste caso, a menina não tinha desejo de fazer sexo com Cachorro do turista, mas queria dinheiro para sustentar a sua vida. Devido à ignorância e falta de ética na parte do turista, a vida do Cachorro foi priorizada e dignidade da menina ficou reduzida para a garantia do bem do Cachorro. Este acontecimento nos dá a visão de que na maioria dos casos são os pobres que compõem a lista das vítimas do desafio consumista e da globalização, para isso é necessário que haja normas legitimadas para a orientação das necessidades do consumo ao nível social e essa iniciativa garantirá o controle do consumo e ao mesmo tempo será o meio de “proporcionar a proteção à vida normal dos cidadãos” [7] de uma determinada sociedade.

Todavia, o desafio de busca de afirmação do ser da pessoa humana diante do poder consumista deve se basear na compreensão de que a dignidade humana deve ser algo de prioridade diante de todas as coisas. E esta compreensão só pode ser garantida por meio de desenvolvimento de um pensamento crítico e objetiva na avaliação das necessidades do consumo, que depende da mudança da mentalidade tanto no âmbito individual assim como coletivo. Charles Darwin afirmou que “o mais alto estágio da cultura moral é alcançado quando reconhecemos que precisamos controlar os nossos pensamentos e interesses,” [8]para melhor prever as suas respectivas conseqüências, esta deve ser a convicção evidente e necessária para a orientação da nossa busca de afirmação da dignidade humana dentro das sociedades onde o espírito consumista é priorizado.

Por outro lado, uma das tendências que prevalece no mundo atual é a busca de afirmação da identidade por meio do poder narcisista, uma falsa idealização da identidade pessoal, e como conseqüência muitas pessoas acham que o individuo é humanamente digna quando é melhor do que outros. E a nossa submissão aos considerados líderes ou ídolos da sociedade nos dá a consciência de que “somos um rebanho que acredita que o caminho que estamos seguindo tem certo destino, visto que todos seguem o mesmo caminho.” [9] Esta tendência, gera uma contínua competição pelo alcance daquilo que é priorizado pela maioria; esquecemos que a vida depende do ensinamento de contenção o que não é o sinônimo de repressão. Quem se contém o faz porque quer fazê-lo; e não porque é obrigado pelos outros. Ele obedece a uma conduta e à lei que não é exterior, mas que foi assimilada ou interiorizada.[10]

A palavra sociedade veio do latim societas, societis que significa areunião de seres, dos homens ou animais, que vivem em grupo de uma forma organizada. Conjunto dos membros de uma coletividade sujeitos às mesmas normas e leis. Enquanto que o consumo significa dispêndio ou gasto, e na maioria dos casos quando se fala da sociedade do consumo refere-se às sociedades industrializadas, desenvolvidas, nas quais estando as necessidades elementares asseguradas para a maioria da população, os meios de produção e de comercialização são orientados para responder às necessidades multiformes freqüentemente artificiais e supérfluas.[11]

Com esta afirmação percebemos que o mundo capitalista, que estimula o espírito consumista, nos ofereceu uma nova visão da dignidade da pessoa humana; de que a pessoa tem uma vida digna somente se tiver certo poder de caráter intelectual, político, econômico, social ou mesmo religioso. E é a partir de tal poder que a sua dignidade será reconhecida a qualquer espaço, pelo tipo de hotéis em que se hospeda e os seus respectivos deveres que definem o seu status, nos aviões, e outros lugares que oferecem oportunidades de demonstrar o status que a pessoa goza. Por meio desta tendência somos forçados conscientemente ou inconscientemente a buscar ser ou tornar-se melhor que os outros, somos marcados pelas tendências narcisistas que desenvolvemos inconscientemente como meio de afirmação da dignidade e em especial das nossas personalidades. Contudo, quem não tem qualquer poder em especial de caráter econômico tem mais deveres que direitos; este é a tendência característica de falta de reconhecimento da dignidade das pessoas pobres.

O poder consumista ameaça o ser da pessoa humana nos dois contextos que são a redução da pessoa a um mero objeto por meio da priorização das coisas materiais e por meio dos efeitos negativos provocado pelo produto consumido. Em relação ao poder econômico, notamos muitos casos em que as pessoas inocentes ou pobres são humilhadas pela violação dos seus respectivos direitos, e o pior é que quando eles processam as tais pessoas a justiça dificilmente resolve os casos no seu sentido expectativa. O processado por ter certo poder econômico o seu crime desaparece automaticamente enfrente da nossa justiça capitalista. Com isso os inocentes cancelam os processos na justiça por serem ameaçados pelos poderosos economicamente, que eles processaram por violarem os seus respectivos direitos. Este cancelamento de processo é realizado de “forma livre” como meio de assegurar as suas vidas, e como conseqüência disso, os fracos, pobres são submissos à exploração dos poderosos ou fortes economicamente. Aqui notamos que o desenvolvimento tecnológico e econômico do mundo torna-se o risco da vida dos mais pobres em vez de se tornar a fonte da libertação.

O mundo capitalista nos direciona mais para o desenvolvimento individualista, e menos compromisso com os assuntos
de interesse comum, em especial a justiça e igualdade. Esquecemos que “todos seres humanos precisam a segurança desde a concepção, das condições necessárias para viver plenamente e para desenvolver harmoniosamente em todos os aspectos, físicos,
mental, social e espiritual.”[12] O compromisso pelo bem comum é o dever que é necessário ser priorizado por cada um de nós dentro das nossas sociedades, visto que o princípio do bem comum deriva dos princípios da dignidade, e da igualdade de todas pessoas, estes são princípios que se integram e compõem a base da solidariedade ou fraternidade entre os homens. Esta responsabilidade de promover o bem comum não compete somente às pessoas ao nível individual, mas também ao estado, visto que o bem comum representa a razão do ser da autoridade pública.[13]

O problema de consumismo é favorecido pelo desenvolvimento tecnológico acelerado em que o mundo vive, ele garante a superprodução esta por sua vez estimula o superconsumo, para equilibrar as necessidades da força da produção. Contudo, o importante é estarmos conscientes dos riscos do espírito consumista para melhor a valiar o nosso nível da necessidade do consumo e controlar, para evitar os perigos da materialização da nossa natureza humana em favor do consumismo. Devemos sempre afirmar a dignidade da nossa natureza humana, cada pessoa humana tenha confiança consigo mesmo, para evitar a tendência do poder consumista que nos dá a “sensação de que a fonte de todo o bem está no exterior, de que seja o que seja o que for que se quiser tem de ser procurado lá fora, e que a própria pessoa nada pode produzir.” [14] Todavia, é real afirmar que não é o bem que determina o homem ou o povo, ainda que estes coloquem o bem acima das ideologias, mas a base é o impulso de autoconservação ativado pelo perigo;[15] assim o ameaço da nossa dignidade humana pelo consumismo, deve ser algo que estimula o impulso da força da conservação da nossa espécie humana.
Desde o início deste trabalho nós mostramos que a única forma de superar os desafios do consumismo, é o reconhecimento da primazia da dignidade humana, no meio de todas as coisas que o mundo nos oferece. É um exercício desafiante muito mais em relação ao desenvolvimento tecnológico acelerado que provoca a superprodução colocando assim o risco da vida dos seus consumidores. O compromisso na luta pela superação deste desafio deve ser de caráter individual assim como coletivo, cada um de nós deve priorizar a dignidade do ser da pessoa humana. A nossa a busca de tornarmo-nos mais do que aquilo que somos deve centrar-se na afirmação da dignidade da pessoa humana, não pelo poder intelectual, econômico, político, religioso ou social, mas pela natureza humana que define o ser da pessoa na sua virtude.

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